A campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) vai apostar no engajamento de estrelas do sertanejo como contraponto a artistas que têm levantado bandeiras em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu principal adversário na disputa eleitoral. A estratégia, segundo aliados do presidente, é aproveitar a boa relação que o atual chefe do Palácio do Planalto tem entre nomes populares do gênero musical para consolidar o apoio do público conservador e tentar conquistar votos principalmente entre mulheres, jovens e a população mais pobre, estratos do eleitorado em que Bolsonaro tem apresentado seus piores índices nas pesquisas.
A ideia é que alguns artistas alavanquem as bandeiras defendidas por Bolsonaro — que em muitos casos também são as deles, como a do agronegócio — como um gesto de apoio à reeleição do presidente. O formato, contudo, ainda está indefinido. O desejo é que eles se manifestem em suas redes sociais e eventualmente gravem vídeos elogiando o mandatário. A orientação dada pela equipe jurídica do PL, partido do presidente, é que os cantores não peçam votos.
Do lado dos sertanejos, por sua vez, há um receio de que críticas mais ácidas a adversários de Bolsonaro, como as feitas pelo cantor Zé Netto, da dupla com Cristiano, possam ter um efeito reverso para suas carreiras. As declarações do sertanejo, que criticou a Lei Rouanet — associada por bolsonaristas a artistas apoiadores de Lula —, desencadeou investigações sobre apresentações pagas com dinheiro público por pequenas prefeituras. A polêmica se alastrou pelas redes sociais e ficou conhecida como “CPI dos sertanejos”.
A parceria de Bolsonaro com o mundo musical é uma fórmula que já foi aplicada em eleições passadas e por diferentes políticos. Em 2018, o então candidato pelo PSL passou a se aproximar de artistas do gênero como Zezé Di Camargo e Luciano. A dupla, que gravou jingle para Lula na campanha de 2002, puxou a onda de apoio explícito ao então deputado federal, que contava com apenas oito segundos na propaganda de TV.
Naquele ano, Gusttavo Lima, hoje um dos artistas mais tocados nas rádios do Brasil, foi um dos primeiros a declarar apoio a Bolsonaro. Desde então, passou a elogiar o presidente em shows e exaltar obras do governo. Em 2020, foi estrela de um comercial da Caixa. Dono de um frigorífico, o artista lançou a picanha “Mito” em homenagem ao chefe do Executivo. Bolsonaro postou uma foto nas suas redes sociais com o pacote da carne vendida a R$ 1.790 o quilo.
Um dos principais responsáveis por estreitar a relação de Bolsonaro com os sertanejos foi o empresário Uugton Batista, espécie de lobista de artistas do gênero. Desde o início do governo, ele mediou diversos encontros do presidente com cantores. Em janeiro de 2021, por exemplo, levou cerca de 50 profissionais a um encontro com Bolsonaro em uma churrascaria de Brasília. O objetivo era pedir uma linha de crédito para reduzir os impactos da pandemia.
Batista diz ter conhecido Bolsonaro em 2018, quando o procurou para oferecer ajuda para a campanha. A sua ideia, segundo afirmou, era organizar eventos de arrecadação.
— Eu ofereci esse dinheiro aí e ele não quis, quis só a ajuda dos artistas — afirma Batista, que à época era filiado ao PT. — Se não fossem os sertanejos em 2018, ninguém ia saber quem era o Bolsonaro. Quando eles falavam “Bolsonaro” o povo ia pesquisar quem era.
O cientista político Humberto Dantas avalia que a reversão de apoio de artistas em voto está associado a “uma ausência educativa na população” e reforça que a proximidade de políticos com artistas é histórica:
— Tanto que existiu uma tentativa de contenção, como nos chamados showmícios, de colocar limites legais por conta de abuso de poder econômico em campanha.
Outro sertanejo que virou garoto-propaganda do governo é o locutor de rodeios Cuiabano Lima, que também já estrelou propagandas de bancos públicos como Caixa e Banco do Brasil. No mês passado, durante show em Brasília, defendeu bandeiras do bolsonarismo e bradou que “aqui nunca vai ser o comunismo”.
Gustavo Alonso, autor de “Cowboys do asfalto: música sertaneja e modernização brasileira”, aponta uma tendência de integrantes do gênero se aproximarem de governos.
— Sertanejos tendem a ser governistas. Há uma relação apolítica, que é o Centrão nesse sentido. Tentar ganhar de todos os lados — afirmou Alonso. — A música sertaneja é a mais popular do Brasil. Há uma tradição de posicionamento de se manifestar pró-governo.
Oposição ‘usa’ cachês milionários para rebater discurso contra Lei Rouanet
Nas últimas semanas, viralizaram nas redes sociais questionamentos sobre cachês milionários pagos, sem licitação, por pequenas prefeituras do interior do país a estrelas da música sertaneja. Foi uma forma de opositores do governo Bolsonaro rebaterem as frequentes declarações do presidente e de seus apoiadores para desmerecer a Lei Rouanet e, consequentemente, a cultura.
Maldizer artistas que se utilizam — ou não — da legislação para financiar seus espetáculos desde sempre foi o jeito que Bolsonaro encontrou para manter sua base digital aguerrida contra o setor cultural. Até que, no mês passado, o sertanejo Zé Neto subiu no palco em Sorriso (MT) e juntou, numa única crítica, a cantora Anitta, sua tatuagem íntima e a Lei Rouanet.
Internautas passaram a divulgar e a questionar os valores de contratos do cantor, que faz dupla com Cristiano, pagos por prefeituras. O escrutínio alcançou outros artistas do ramo que costumam apoiar o chefe do Planalto, e encontrou em Gusttavo Lima seu principal alvo.
Alguns artistas passaram a perder cachês milionários em cidades pequenas e viraram alvo do Ministério Público após as declarações de Zé Neto. E uma declaração de Anitta de que recebeu, e negou, proposta de desvio de verba de prefeitura, ainda culminou na CPI do Sertanejo.
O Ministério Público decidiu investigar, por exemplo, contratos para shows de Gusttavo Lima em cidades como São Luiz, município de oito mil habitantes em Roraima que pagou R$ 800 mil ao cantor. Seu cachê, em outros locais, chegou a mais de R$ 1 milhão.
Os contratos de artistas consagrados por prefeituras são feitos com dispensa de licitação. Também não há limite para os gastos nas contratações diretas, e os valores, que saem dos cofres públicos por meio de emendas parlamentares ou das secretarias, podem ser negociados com o próprio artista, que não precisa detalhar como partilha o cachê com sua equipe.
Já os recursos da Lei Rouanet são captados via renúncia fiscal: a legislação autoriza empresas a investirem até 4% dos valores devidos em tributos para projetos culturais, que precisam ser aprovados, passam por prestação de contas e têm teto orçamentário de R$ 500 mil.