sábado, novembro 23, 2024
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Ministério Público abre investigação sobre curso que usa pacientes da Santa Casa

O Ministério Público de São Paulo instaurou nesta quarta (20) procedimento investigatório para apurar eventuais irregularidades nos cursos ministrados por uma empresa privada, comandada por um casal de médicos da Santa Casa, que utiliza recursos e pacientes do próprio hospital filantrópico nas aulas.

A apuração foi aberta após o jornal Folha de S.Paulo revelar que os cursos chegam a custar mais de R$ 70 mil por aluno –caso da pós-graduação em Endoscopia Ginecológica e Ginecologia Minimamente Invasiva, que rende mais de R$ 2 milhões por edição. O hospital fica com 30% desse valor, e a empresa, com os 70% restantes.

O procedimento foi aberto pela Promotoria do Patrimônio Público porque a Santa Casa atende com recursos provenientes do SUS (Sistema Único de Saúde). O caso também deve ser acompanhando pela Promotoria da Saúde Pública, conforme apuração da reportagem, por haver questões médicas.

A advogada Maria Luiza Gorga, especializada em crimes médicos, diz que o caso pode configurar improbidade administrativa por haver possível enriquecimento ilícito com um bem público, atentando, assim, contra os princípios da boa administração, incluindo a impessoalidade e legalidade.

Os cursos são coordenados pelo Naveg, associação criada em maio de 2020 pelo diretor do departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Santa Casa, Paulo Ayroza Ribeiro, e pela mulher dele, Helizabet Ayroza Ribeiro, chefe do setor de Endoscopia e Endometriose do mesmo departamento.

De acordo com a Santa Casa, eles são realizados pela empresa em parceria com o Ipitec, instituto criado pelo hospital para fomento de pesquisas e ensino, mas só há referência a eles no site do Naveg.

A direção da Santa Casa não quis informar o valor total já repassado à empresa. Ela nega, porém, irregularidades e diz que a parceira traz recurso adicional ao hospital, que é revertido “integralmente na assistência que presta à população.”

O hospital afirma que a empresa fica com a maior parte porque “efetua o pagamento das despesas administrativas e de apoio, alimentação, manutenção de equipamentos e a remuneração dos profissionais” envolvidos. “Aos dois médicos coordenadores aqui mencionados são repassados menos de 20% dos valores”, informa o hospital (leia mais abaixo).

A direção do hospital não quis explicar quais tipos de “despesas administrativas” seriam essas, já que as cirurgias dos cursos são realizadas na Santa Casa, com a estrutura do próprio hospital, como ocorre com os pacientes comuns. Esse também outro ponto a ser apurado nas investigações.

Algumas pacientes, conforme apuração da Folha, afirmam que não foram informadas de que estariam expostas a intervenções cirúrgicas realizadas por profissionais em aprendizado, o pode configurar irregularidade grave.

Para o médico Bráulio Luna Filho, ex-presidente da Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), toda intervenção cirúrgica com participação ou presença de alunos deve ser informada de forma clara ao paciente, que precisa assinar um termo de anuência com essa situação.

Além disso, médicos da instituição apontam descontentamento com a situação porque, segundo eles, os cursos trazem prejuízos financeiros e educacionais -já que os residentes seriam desviados de funções e as cirurgias realizadas nas aulas têm valores defasados em relação à tabela do SUS.

Entidade nega irregularidades

Procurada nesta quarta, a Santa Casa de São Paulo afirma que “não recebeu até esse momento nenhuma notificação do Ministério Público sobre esse assunto”.

Antes da publicação da reportagem, a Folha solicitou entrevistas com o casal de médicos e, ainda, com a superintendente da Santa Casa, Maria Dulce Cardenuto. Todos declinaram alegando falta de espaço na agenda. Concordaram, porém, em responder as questões por escrito. As respostas foram enviadas de forma conjunta.

A entidade afirma não ver problema na relação com a empresa privada. “Todo processo que possa gerar conhecimento e ao mesmo tempo melhorar o cuidado ao paciente interessa à Santa Casa.”

Ainda segundo a Santa Casa, a parceira é importante porque a instituição recebe recurso adicional, que é revertido “integralmente na assistência que presta à população”. “A Santa Casa, como hospital de ensino, cumpre seu compromisso assistencial e de capacitação de médicos, que replicarão os aprendizados em todos os locais do Brasil”, diz.

Sobre a suposta falta de devido aviso às pacientes, a Santa Casa afirma que elas foram informadas, sim, da situação, “como em todas as outras situações em nossa instituição”. A reportagem solicitou envio de cópia das autorizações, mas o pedido foi negado. “Não podemos enviar documentos de prontuário que são sigilosos.”

Sobre a suposta utilização de material e pacientes do SUS, a Santa Casa diz não haver irregularidade porque “o curso em nada se difere da rotina de ensino médico praticada na Santa Casa: as cirurgias são realizadas por profissionais experientes que contam com o auxílio de médicos em treinamento nos seus diversos níveis”.

Sobre o suposto desvio de função dos residentes, o hospital diz não haver reclamações de profissionais e que eles cumprem horários previstos. “Em algumas situações o médico residente irá apenas observar, em outras instrumentar, em outras pode auxiliar o médico supervisor e realizar gestos sob supervisão. Assim sendo, os comentários sobre a atuação não são pertinentes.”

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