Após a saída do procurador Deltan Dallagnol da coordenação da Lava Jato no Paraná, o procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia prorrogar a força-tarefa em Curitiba por um prazo mais curto e com número menor de integrantes.
Deltan anunciou nesta terça-feira (1º) que deixa o grupo de investigadores. Ele continuará no MPF (Ministério Público Federal), mas em outros casos.
Em vídeo divulgado nas redes sociais, o procurador afirmou que sai da força-tarefa por questões familiares. Segundo ele, o desligamento se deve a um problema de saúde de sua filha de um ano de idade.
Aras, por sua vez, prepara nova ofensiva contra a Lava Jato. Em atuação desde 2014, a operação poderá sofrer outro revés.
Uma das soluções avaliadas pelo chefe do Ministério Público Federal envolve a designação apenas de procuradores da República, opção que elimina a necessidade do aval do CSMPF (Conselho Superior do MPF), órgão máximo deliberativo na estrutura da instituição para a designação de integrantes do grupo.
Na atual configuração da Lava Jato atuam procuradores da República e procuradores regionais da República, o que exige na legislação interna o referendo do Conselho Superior. Hoje há 14 investigadores —o número com uma eventual redução não foi definido.
Crítico da Lava Jato, Aras já travou embates no colegiado com outros integrantes por causa de posicionamento divergente que tem sobre o trabalho dos procuradores em Curitiba. Ele tem sido pressionado por integrantes do conselho a prorrogar a força-tarefa.
Também nesta terça-feira, a subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra Santos, uma das integrantes do conselho superior, decidiu de forma liminar (provisória) prorrogar a Lava Jato por um ano.
Caetana é relatora de um pedido de prorrogação e propôs o debate do assunto no encontro desta terça do colegiado. Como não houve tempo, ela tomou a decisão. Além de provisória, avaliam integrantes da PGR, ela não vincula Aras a segui-la.
O procurador-geral ainda não se pronunciou sobre a decisão de Caetana. Desde a criação da força-tarefa, a indicação de nomes para atuar na investigação foi referendada pelo colegiado.
A força-tarefa da Lava Jato no Paraná já teve a estrutura prorrogada por sete vezes. O prazo de encerramento das atividades do grupo expira no próximo dia 10.
No cargo, Deltan enfrentava um processo de desgaste e se tornou alvo de ações internas no MPF, além de estar envolvido em um embate com Aras.
“Depois de anos de dedicação intensa à Lava Jato, eu acredito que agora é hora de me dedicar de modo especial à minha família […]. Essa é uma decisão difícil, mas estou muito seguro de que é a decisão certa e a que eu quero tomar como pai”, afirmou Deltan em um vídeo na internet.
Vaza Jato
Deltan teve sua atuação na Lava Jato posta em xeque após a divulgação em 2019 de diálogos e documentos obtidos pelo The Intercept Brasil, alguns deles analisados em conjunto com a Folha.
Além de ver contestada sua relação com o então juiz Sergio Moro, também enfrentou questionamentos por causa do plano de negócios de eventos e palestras que montou para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações da Lava Jato.
Nos últimos meses, Deltan enfrentou o avanço de ações contra ele no Ministério Público e se envolveu em conflito com Aras sobre o sigilo dos dados sob investigação na força-tarefa em Curitiba. Ele aguardava processos que poderiam afastá-lo da Lava Jato.
Nesta terça, sem citar nomes, Deltan pediu em vídeo que a sociedade continue apoiando a Lava Jato diante da fase decisiva envolvendo os trabalhos do grupo. “A operação vai continuar fazendo seu trabalho, vai continuar firme, mas decisões que estão sendo tomadas e que serão tomadas em Brasília afetarão os seus trabalhos”, disse.
Ao final do vídeo, Deltan afirmou ainda que vai continuar lutando contra a corrupção “como procurador e cidadão”. “Não vou desistir, não vou deixar de sonhar com um país menos corrupto, com um país mais justo e melhor.”
Repercussões
Em nota, o MPF do Paraná elogiou o trabalho do colega. “Por todo esse período, enquanto coordenador dos trabalhos, Deltan desempenhou com retidão, denodo, esmero e abnegação suas funções, reunindo raras qualidades técnicas e pessoais”, diz a nota do órgão.
“Parabenizo o procurador Deltan Dallagnol pela dedicação à frente da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, trabalho que alcançou resultados sem paralelo no combate à corrupção no país. Apesar de sua saída por motivos pessoais, espero que o trabalho da FT [força-tarefa] possa prosseguir”, escreveu Moro, no Twitter.
O ex-procurador-geral Rodrigo Janot tratou a saída de Deltan como resultado de uma ação contra a Lava Jato. “Seguimos o caminho pouco virtuoso do crepúsculo da Operação Mãos Limpas! Lá, como aqui, o sistema contra-atacou! Resiliência tem de ser a motivação! Dias melhores virão das trevas! Fiat lux!”, afirmou, com menção à ação italiana frequentemente tida como inspiração da força-tarefa brasileira.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a decisão de Deltan e a alternância de poder no cargo. “Se a decisão foi pessoal, é melhor para que não fique polêmica em relação à saída dele”, disse.
“Não é possível que, no meio de tantos procuradores, não tenham outros procuradores que têm a qualidade dele, que têm a dedicação que ele teve à frente de uma área que foi tão importante para o Brasil nos últimos anos.”
No mês passado, o ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu o julgamento de Deltan no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Deltan seria julgado em processos que o acusavam de parcialidade na condução da Operação Lava Jato, além de tentativas de interferência no processo político brasileiro.
Celso havia concordado com a alegação do procurador de que seu direito de defesa foi cerceado, bem como seu direito à liberdade de expressão e crítica.
Semanas depois, porém, a AGU (Advocacia-Geral da União) entrou com recurso no STF para que a corte reveja a decisão.
Outro processo no entanto, movido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi arquivado. O petista acusava Deltan e os procuradores Roberson Pozzobon e Júlio Noronha de abuso de poder e de expor o ex-presidente e a ex-primeira-dama Marisa Letícia a constrangimento público, no episódio do PowerPoint que apontava Lula como líder de um esquema de corrupção na Petrobras.