sábado, novembro 23, 2024
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Maioria da bancada feminina no Congresso é contra legalizar aborto

Tema que movimenta o debate político a cada eleição, como já ocorreu neste ano após uma declaração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a descriminalização do aborto também mobiliza o Congresso e provoca um racha na bancada feminina. Levantamento do GLOBO mostra que as deputadas e senadores são majoritariamente contra a legalização do procedimento. Das 89 mulheres atualmente com cadeira no Congresso, 63 responderam ao questionamento — 44, o equivalente a 70% das ouvidas, se posicionaram de maneira contrária, enquanto 15 (24%) se disseram favoráveis, e quatro retornaram afirmando que preferiam não se manifestar.

O componente político naturalmente carregado pelo assunto — que, por vezes, inibe a conversa sob a perspectiva da saúde pública — e os reflexos eleitorais em potencial exercem influência nas manifestações públicas, segundo especialistas. A cientista política Mayra Goulart, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que o “peso” das discussões em torno do aborto faz com que não haja unanimidade mesmo entre as congressistas mais alinhadas às pautas progressistas.

— É uma questão que cobra um preço muito grande eleitoralmente. Mesmo entre as mulheres que não são conservadoras há opiniões contrárias ao aborto. Não é consensual. É uma pauta bomba, que tira e mobiliza votos, além de gerar sentimentos conflituosos — analisa.

Gradações

No grupo que se posiciona contra a descriminalização, há 23 parlamentares que defendem a proibição em todos os casos, restringindo o que hoje é permitido em lei — a legislação autoriza o aborto quando a gravidez é resultante de estupro, nos casos em que há risco para a vida da mulher e se há má formação cerebral do feto. Outras 20 são contra, mas defendem que as autorizações específicas já previstas permaneçam. A deputada Carla Zambelli (PL-SP), por sua vez, discorda da descriminalização do aborto e afirma que o aval deve ocorrer só nos episódios em que houver risco de vida.

Já entre as parlamentares favoráveis à legalização, há quem defenda a ampliação dos casos previstos em lei e quem defenda que as hipóteses sejam irrestritas.

Os argumentos da ala que defende as restrições incluem o entendimento de que a vida deve ser preservada desde o zigoto, trecho do Pacto de São José, e o alerta de que o número de abortos poderá aumentar de forma indiscriminada. Já as parlamentares a favor da descriminalização sustentam que mulheres de alta renda, quando necessitam, recorrem a clínicas que efetuam a prática, enquanto gestantes pobres ficam à mercê de abortos clandestinos, arriscados. Outro ponto citado é que as mulheres têm autonomia sobre o próprio corpo, direito que não deve sofrer interferências externas.

De acordo com o estudo “Mulheres e resistência no Congresso Nacional 2021”, publicada pela ONG Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), dos 26 projetos sobre aborto apresentados na Câmara dos Deputados e no Senado no ano passado, a maior parte amplia restrições. Dez deles, por exemplo, tratam de criminalização e punição, como o aumento da pena para mulheres que fizerem aborto em situações além das autorizadas em lei.

Para a deputada Dra. Soraya Manato (PTB-ES), não há justificativa suficiente que possa levar o país a rever a situação hoje vigente.

— Sou conservadora, cristã e a favor da vida. Como médica ginecologista e obstetra, tenho uma ligação muito forte com as gestantes. Sempre acompanhei todo o processo muito de perto. Não vejo justificativa para concordar com a legalização do aborto no Brasil. Sempre serei contra o assassinato de bebês inocentes — disse ela.

Já a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) vai no sentido oposto. Ela ressalta que ser a favor da descriminalização não significa endossar o ato, mas, sim, observar a realidade e construir uma solução que preserve a saúde e a autonomia das mulheres:

— Ninguém é a favor do aborto. Somos a favor de que mulheres pobres não morram em abortos clandestinos, enquanto as ricas se resolvem em clínicas de luxo sem problemas. Defendo que haja educação sexual para que as mulheres possam decidir sobre a concepção e não engravidem. E o aborto legal, para que não morram caso a gravidez aconteça e não haja condições de prosseguimento.

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, em parceria com o Instituto Patrícia Galvão, divulgada em março, mostrou que 77% da população concorda com a frase apontando que as mulheres pobres sofrem mais com a criminalização do aborto, já que não podem pagar por um procedimento realizado com orientação médica. Em 2018, em outro levantamento, o Datafolha identificou que 59% da população endossou que a lei do aborto deveria seguir como está.

Este posicionamento majoritário reflete no Congresso, pontua a cientista política Carolina Botelho, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Segundo ela, a possibilidade de “perder votos” direciona as opiniões.

— A sociedade pensa de forma mais conservadora, então o Congresso reflete isso. Elas são representantes de parcelas da população e estão respondendo a quem as elegeu. Há um cálculo eleitoral: se estamos de olho em grupos específicos ou até mesmo na maioria da população. Outras pautas progressistas já avançaram, mas não o aborto.

Mobilização

Em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma audiência pública para discutir a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, em qualquer situação, houve mais de 500 petições para participar ou indicar especialistas. E pelo menos 49 pedidos para ter voz diretamente no processo, como amicus curiae.

A audiência pública com especialistas foi convocada para auxiliar os ministros do STF no julgamento de ação ajuizada pelo PSOL e pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos Gênero (Anis) em março de 2017, com esse fim. A ação ainda não foi julgada.

No Legislativo, a deputada Tereza Nelma (PSD-AL) é uma das que defende a ampliação da lei atual para os casos até a 12º semana de gestação.

— Nenhuma instituição, privada, religiosa ou estatal, tem o direito de se apropriar do corpo da mulher — afirmou.

Já para a deputada Flávia Arruda (PL-DF), que foi ministra do presidente Jair Bolsonaro, a discussão deveria ser outra.

— O problema real a ser enfrentado é o abuso sexual contra crianças. A desagregação familiar e a falta de apoio do Estado em relação às crianças vulneráveis — disse Flávia.

Em relação à estratégia eleitoral, a cientista política Mayra Goulart destaca que o debate sobre aborto pode ser uma armadilha:

— É um tema que aparece na época de campanha porque a direita vê como uma forma de tirar votos dos candidatos mais à esquerda. É uma casca de banana.

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